domingo, 30 de novembro de 2008

Silêncio

Uma sala vazia o suficiente para tornar o silêncio incómodo. O chá fervia na cozinha perto dali, a cama estava desfeita e pela varanda era possível ver a chuva que se fazia cair. Ele e ela sentados no sofá com uma postura desconfortável, conseguia-se ver pelas caras melancólicas que aquela situação não os deixava à vontade. A água ferve.
- Vou buscar o chá, espera aqui. - disse ela com uma voz baixa e irriquieta.
Na cozinha instalou-se o caos: as chávenas, ela deixou-as cair; o chá, amargo estava; as colheres estavam por lavar. Ela sentava-se agora e deixava uma lágrima escondida soltar-se. Ele incomodado pela solidão foi ao encontro dela:
- Está tudo bem? Ali na sala pareceu-me ter ouvido as chávenas partirem-se. O chá está pronto?
- Está tudo bem, não te preocupes. - respondeu ela de cabeça baixa. - Vai para a sala, eu já levo o chá.
Ele reparava agora que não haviam colheres, chávenas, e muito menos chá. Aproximou-se dela hesitante, limpou-lhe a lágrima já seca e levantou-a.
- Anda, vamos para a sala, eu nem queria chá. - disse ele numa tentativa falhada de não piorar a situação.
Eles dirigiram-se para a sala, mudos, indefesos, sensíveis e um tanto inocentes. Sentaram-se e deixaram o silêncio aterrador invadir a mente, a alma naquele momento estava coberta de palavras prontas a sair mas nenhum dos dois se atrevia.
- Se não querias chá porque estás aqui a ferir-me com essências das quais não esqueci? Não me posso alimentar de memórias, não posso beber dessa tua água repleta de recordações. Porque vieste? - quebrou ela o vazio com uma atitude corajosa.
Ele, sem medos agora, deitou-se no colo dela, aconchegou-se bem, e numa voz ténue disse:
- Só precisava disto.

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

P.S.:

Queria poder voltar a conhecer os teus sinais sem ser preciso olhá-los. Aconchegar-te num colo seguro como em tempos foi.
Onde ficaram os suspiros conjuntos levados pelo tempo? Onde param agora os risos inocentes que num minuto significavam o mundo?
Continuo a ir ao miradouro onde nos perdiamos , mas não te encontro. Onde estás tu agora? Sinto a tua falta.

P.S.: o espelho continua a reflectir uma imagem incompleta com ilusões.

terça-feira, 25 de novembro de 2008

Eterna Palavra

A saudade chegou lentamente, quase que como escondida entre as recordações que há tanto foram impregnadas. Não teve qualquer aviso prévio, não teve medo de avançar, diria até que chegou em ocasião inoportuna, como se ela escolhesse a hora certa...E não veio só: junto a ela encontro inúmeras memórias, fotografias, músicas, vídeos, postais e tantas outras coisas que hoje me servem de sustento à alma. Como é bom olhar para trás e sentir ainda um abraço reconfortante de tudo aquilo que hoje me enche o coração de saudade.
Recordo os pés descalços que vaidosamente se passeavam pelas pedras da calçada já gastas dos nossos passeios; as tardes em telhados de casa com vistas que só nós alcançámos; os braços que me enrolavam numa mistura de emoções da qual eu não queria sair; os escorregas que inventámos e os baloiços que nos faziam rir; as simples pedras e paredes que em todo lado serviam para nos sentarmos e passarmos ali um bom bocado; as conversas e piadas demasiado nossas em bancos desconhecidos (ainda hoje os reconheço).
Já que a saudade não pode trazer este prazer de volta então que nunca chegue, porque eu não quero sentir falta do que um dia me deu a certeza que, valia a pena encontrar um sorriso no dia mais escuro da vida.

(em memória da minha sempre turma, 10º H, A Família)
Como diria o stôr de Português: "Tanto em tão pouco."

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

(...)

A borracha que é o tempo não consegue apagar tudo e o meu bloco de notas já se encontra demasiado cheio. Os rascunhos são hoje inúteis e os meus esboços já estão no lixo. A caneta traça ligeiramente uma linha curva que ainda hoje não sei definir e os meus olhos já se encontram demasiado pesados para acompanhar o ritmo. Fechei círculos, ultrapassei perpendiculares e paralelas. Prossegui com o traço já torto e deixei a minha mão cair suavemente.
Foi o fim da folha.

sábado, 22 de novembro de 2008

Vi?

E se de um momento para o outro tudo o que conheces ficasse desconhecido? Se percebesses o quão importante são os teus sentidos e o tão pouco valor que lhes dás? Como se um borboleta ficasse presa no casulo e tu não visses o sol nascer. Como se tudo o que pensaste ver um dia fora irreal e tu nunca te tiveras apercebido disso. Nunca chegámos a ver, nunca.
Julgo ter sido cega a vida toda... Nunca senti verdadeiramente uma gota de chuva na minha face, nunca dei um abraço a pensar que amanhã já poderia não ser o mesmo. E agora que penso nisto tenho medo, tenho muito medo de nunca poder vir a ver. A ti não sei, mas a mim faz toda a diferença. Quero poder olhar profundamente o interior, quero libertar o vazio escuro que preenche os meus olhos. E não vou esperar mais. Vou passar calmamente a mão no rosto daqueles que mais amo e senti-los como nunca os senti. Reconhecer todas as marcas, recordar todas as emoções em "flash backs" que me preenchem a alma.
Talvez um dia veja.

(reflexão depois do filme Ensaio sobre a cegueira, a não perder ;)

terça-feira, 18 de novembro de 2008

...!

O som do vidro anuncia súbito desdém,
e oculta o que a tua alma procura explicar.

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Nome

"Conheces o nome que te dão, não conheces o nome que tens." (José Saramago, Todos os Nomes)

Um nome, nada mais do que uma forma de me chamarem, de reconhecerem ou não, uma forma de indetificação em concreto. Um nome, e nada mais. Algo que não escolhemos, algo que podemos mudar por razões estéticas, algo que é tão desnecessário que muitas das vezes é esquecido.
De facto não conheço o nome que tenho, e nem quero conhecer. O nome que me dão é Maria, e nem sei bem porquê. Um nome tão usal, tão antigo, tão banal, um nome assim não pode ser meu, não pode nem quero. O nome que tenho? Não sei, mas é algo intrigante que me matuta a cabeça todos os dias. Não há um dia em que não pergunte "quem sou eu?" e no entanto a resposta nunca chegará a tempo. Seja como for, a decoberta do meu nome não passará de uma jogada súbtil para me entender a mim mesma, e se a jogada não for essa será outra, não há problema.
Um nome, e nada mais que isso.

terça-feira, 11 de novembro de 2008

O regresso

Tenho a pele rasgada por uma brisa demasiado suave para me tocar.
Um desejo íngreme invadiu-me a alma, parti.
Corri para um caminho demasiado efémero, demasiado claro para toda esta reflexão que em nada é simples.
Não sei bem o que procuro, não sei bem procurar.
Não me preocupa, hoje fico por aqui, entre os extensos vales da sabedoria.

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Tu

Cada brisa profunda que me arrefece a alma vem de ti, e somente de ti.

Todo o simples gesto ensaiado sobre ele mesmo é feito com a maior ternura porque vem de ti, e somente de ti.

E o maior sentimento que perdura entre nós, dois corpos acesos em chama pura, mantém-se ao longo dos tempos e tudo devido a ti, e somente a ti.

sábado, 8 de novembro de 2008

Na corda bamba

(conto realizado no 10º ano, não foi assim há tanto...)


Foi estranho como voltei a vir para aqui. Andei a manhã toda à espera de notícias. Fico ou vou? Deixo-me cair ou eles mandam-me voltar para baixo? Não sei. O circo está demasiado pequeno para mim. Por enquanto estou em cima da corda, à espera. Não tenho pressa, a sério que não. Já tentei de tudo: linhas rectas, linhas curvas, linhas diagonais, linhas até imaginárias. Mas não! Limita-se tudo a andar à volta. E gira, e gira...
- Carolina! Estás aí em cima?- ouvi uma voz ao longe.
- Sim, estou. Podes entrar, e subir se quiseres. - respondi eu afundada numa estranha melancolia.
- Não deixa estar, sabes que nunca me dei muito bem com as alturas. Só vim para te dizer que..
- Diz! Diz! Diz-me que tens notícias e que eu não preciso de ficar aqui para sempre.
A face do Zé nunca tinha estado tão triste, nem quando fingia que era um palhaço só e pintava lágrimas no rosto. Deduzi por tal expressão que as noticías não eram boas. Para quando a boa-nova? Para quando? Quanto tempo mais vou ter de esperar para ser livre e voar para onde não existem limitações e as linhas não têm principío nem fim? Não sei. Após um silêncio aterrador decidi dizer qualquer coisa. Só para não parecer que estava assim tão insegura.
- Zé, sabes, quando estou aqui em cima e tenho uma multidão aí em baixo a aplaudir-me sinto-me como os leões presos nas jaulas. Por mais bonito que seja o espectáculo que eu dou, nunca me dão o bife que mereço. Só me vêm como alguém que anda em linha recta, de um lado para outro, sem hipóteses de escolha. Mas eu não sou assim. Sabes disso não sabes?
- Sei. E sei que o mais lindo espectáculo que dás é quando as luzes da ribalta se apagam e tu ficas aí em cima a fazer de uma limitação um espaço só teu. Eu sei que tu andas à roda, eu sei que sim.
Não sei, talvez ele não tenha percebido a ideia. Eu não ando à roda! Não ando! As rodas são fechadas e eu preciso de espaço. Eu preciso de sair do círculo que me envolve. Eu preciso de possuir o círculo. Mas será que alguém me entende?
-Zé... - disse eu com uma calma aparente.
- Diz Carolina, diz.
- O que é que me vinhas dizer? Interrompo-te sempre com os meus devaneios mentais. Não tenhas medo de dizer. Fala rapaz!
- O jantar está pronto.

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

?

Onde estás tu,
Eterna vastidão imensa?
Noite longa, escura e fria,
Loucura errante.
Procura constante de um céu inexistente.
Busca infinita do ser.
Fica.



Alegrem-se,
Chegamos ao Éden.
Não fiquem,
Conheçam as dualidades.
Manisfestem-se,
Dêm sinal.
Nada podem, nada querem.

Auto-retrato

Não sei desenhar. Nunca saberei.
Sei representar, isso chega?
O auto-retrato não passa de mais uma tentativa falhada de nos definirmos a nós mesmos. Qual o interesse disso?
Não sei, mas faz-me gastar tempo pensar acerca de.
Para me definir iria também ter de definir as outras 100 pessoas existentes dentro de mim, acho que acabaria por utilizar todos os adjectivos possíveis. Sou só uma, juro, mas nada do que sou hoje serei amanhã. Vivo numa constante mudança que se verifica desde o cérebro ao dedo mendigo.
Por esta reflexão, e por outras tantos que faço, julgo ter encontrado o adjectivo que me define: faceta.