sábado, 27 de dezembro de 2008

Transparências

Os vidros estão embaciados e eu permaneço envolto numa neblina que me aconchega; a chuva cai lentamente e a minha respiração ofegante não se sustém um segundo. Começo calmamente a desenhar umas letras naquele vidro que em nada é transparente:
"Desde há muito, talvez não seja assim tanto, que observo através de ti almas imunes às tuas impurezas. Chego perto de ti e em tudo me revejo: o gesto, o toque, a harmonia persistente e, acima de tudo, a serenidade aparente com que te deslocas, ficando sempre no mesmo sítio. Hoje, volto aqui e em nada me reencontro: não consigo ver o vento, não consigo sentir o teu canto profundo nem reconhecer as filosofias com que me embalavas. Partiste para perto, espero. Foi um bocado rude a maneira como me deixaste: sem uma carta de despedida, sem flores com um postal perfumado, sem aviso prévio; que falta de sensibilidade (aquela com que me habituaste e da qual hoje já não me sei desprender).
Seja como for, aguardo relutante a tua chegada, espero que venhas como foste: cruel, frio e transparente. Não te atrases, a rua está brilhante e ansiosa pelo teu regresso. Não tragas lembranças! Já está tudo tão cheio de recordações que mais umas a encher os espaços vazios pelo tempo não fariam qualquer sentido...(quero eu acreditar)."
Olho agora para o início da janela e as primeiras palavras já desapareceram enquanto que as outras se desvanecem, talvez a sua transparência esteja de volta.
Fica meu amor selvagem.

domingo, 21 de dezembro de 2008

Carta ao Pai Natal

Querido Pai Natal,
este ano decidi ser diferente: não vou ser hipócrita nem pedir paz e saúde para todos; não vou dizer que me portei bem e que ajudei lá em casa. Este ano vamos ser realistas: não fiz sempre os trabalhos de casa, menti ao meus amigos e alegria no mundo todo é uma utopia.
Desde que me lembro de escrever que te peço comida para os meninos pobres, mantinhas para os sem abrigo, pão e água suficiente para todos, mas tu e as tuas renas nunca chegam a esses locais. Depois lembro-me de olhar para o lado e ver um amigo meu com o último videojogo, e ele também não se portou bem, que eu sei, e nem pediu coisas boas pro mundo (que egoísta).
E agora podes nem querer ler esta carta até ao fim, mas vamos ser um pouco mais verdadeiros: quantas cartas lês com amor? Aposto que os teus duendes assinalam os presentes pedidos e tu limitas-te a fazer de motorista de serviço. Provavelmente estas palavras nem te tocarão e estes sentimentos jamais te serão transmitidos, mas vale sempre a pena tentar (tenho de ocupar o tempo).
Depois de tanto paleio queria só te dizer para não te atrasares na entrega das prendas, o menino rico não gosta de esperar e a sua mãmã já reservou a playstation há muito.
Entretanto (só se tiveres tempo!), podes me trazer um fato de Pai Natal, para o ano faço eu as entregas.
Com muita sinceridade (só por isto já devia receber a prenda), Maria João.

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Quantidade vs. Qualidade

Seriam precisos muitos, e nem esses chegariam.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Lisbon

Chegou lentamente com uma brisa matutina e um timbre arrepiante. As cores, essas são agora frias e suaves o suficiente para não amedrontar. Posso encontrar junto a ele um aconchego inútil do qual já me apoderei; um olhar terno e uns braços suficientemente longos para abarcar tudo o que é finito.
Mantém lentamente uma chama crescente que nos prende a algo todos os dias, arrasto-me com infinitas memórias no verso. A coroa da moeda é modesta, moderada, manipuladora. Beleza assim não pode ser imaginária, ou será que a realidade não me chega? Ele não pára.
Foi o amanhecer. Bom dia Lisboa.

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Reflexo

"Não se obliteram facilmente em mim impressões que me entalhem, por mais de leve que seja, nas fibras do coração." (Almeida Garrett)