sábado, 27 de dezembro de 2008

Transparências

Os vidros estão embaciados e eu permaneço envolto numa neblina que me aconchega; a chuva cai lentamente e a minha respiração ofegante não se sustém um segundo. Começo calmamente a desenhar umas letras naquele vidro que em nada é transparente:
"Desde há muito, talvez não seja assim tanto, que observo através de ti almas imunes às tuas impurezas. Chego perto de ti e em tudo me revejo: o gesto, o toque, a harmonia persistente e, acima de tudo, a serenidade aparente com que te deslocas, ficando sempre no mesmo sítio. Hoje, volto aqui e em nada me reencontro: não consigo ver o vento, não consigo sentir o teu canto profundo nem reconhecer as filosofias com que me embalavas. Partiste para perto, espero. Foi um bocado rude a maneira como me deixaste: sem uma carta de despedida, sem flores com um postal perfumado, sem aviso prévio; que falta de sensibilidade (aquela com que me habituaste e da qual hoje já não me sei desprender).
Seja como for, aguardo relutante a tua chegada, espero que venhas como foste: cruel, frio e transparente. Não te atrases, a rua está brilhante e ansiosa pelo teu regresso. Não tragas lembranças! Já está tudo tão cheio de recordações que mais umas a encher os espaços vazios pelo tempo não fariam qualquer sentido...(quero eu acreditar)."
Olho agora para o início da janela e as primeiras palavras já desapareceram enquanto que as outras se desvanecem, talvez a sua transparência esteja de volta.
Fica meu amor selvagem.

Sem comentários: